domingo, 28 de fevereiro de 2010

A despedida do inverno

De la neige et du vent

Eu já estava ficando triste ao ver a neve toda derretendo, sinal do fim do inverno. Já faz alguns dias que a temperatura já está entre zero e quatro graus positivos. Já dava para ver a grama aparecendo em alguns lugares, as folhas do outono e as ruas estavam ficando mais limpas.
Eis que aparece o alerta no site da Météo Média. Dois sistemas de baixa pressão se encontraram pelo Québec. E o que isso quer dizer? Precipitação de até 20cm de neve por dia e rajadas de ventos de até 100Km/h. Agora falaram a minha língua, mas como é isso? Pensou o pobre retirante da caatinga nordestina. Bom, é neve pra caramba caindo o tempo todo e um vento de empurrar. A neve não incomoda muito. Só os flocos que batem no rosto e dão uma geladazinha mas nada demais. O acúmulo de neve atrapalha o trânsito. O meu primo Arley iria adorar fazer off road dentro da cidade. Até os ônibus que são pesados e têm quatro pneus no eixo traseiro saem patinando. Para andar, acho legal a sensação da nevezinha macia sendo amassada.
Já o vento, este sim, incomoda. Estava com 54Km/h de vento com rafales/rajadas de 74Km/h quando sai de casa. Sim! A vida continua, faça neve, faça sol! Ia matricular a Lara na escola, mas com essa "brisa", achei melhor não andar esse 1Km e somente ir ao trabalho. Boa decisão. Tinha esquecido os documentos em casa e as aulas foram canceladas.
O vento joga neve no rosto e atrapalha a visão. Menos mal! Podia ser areia! Fora isso, dá para desequilibrar por causa do chão escorregadio. Estava ajustando a câmera em cima do gelo, quando uma rajada me empurrou para trás de forma que meus dois pés deslisaram. Procurei pedras de calçamento para fazer peso na mochila, mas tudo aqui é asfaltado. Eu outra ocasião, o capuz que ajusto bem fechado para não entrar vento foi tirado junto com o gorro com um tapa do vento que levei. Se o gorro não tivesse ficado dentro do capuz, teria voado longe.
Ainda não foi uma tempestade de neve propriamente dita, mas com isso, fechei meu currículo de inverno: nevasca, vento, chuva congelante e -34 graus de sensação térmica. Isso em somente um mês e meio.
O bom da estória é que o charme da Branca de Neve voltou de uma forma ainda mais bonita. As paisagens estavam dígnas de cartões postais.
Dessa vez vou inaugurar a era do vídeo no blog. Isso porque não dá para registrar bem o vento em fotos.





sábado, 27 de fevereiro de 2010

Família reunida




Este comercial da Tim Hortons é muito parecido com o que aconteceu com a chegada na nossa família aqui, só que ainda não provei desse bendito café, típico daqui. Na verdade, eles fizeram este comercial porque essa é a mesma história de muitos imigrantes que chegam no Canadá.
Após muitas horas cansativas de viagem, chegaram todos bem. Ao contrário do meu landing/procedimento de imigração, o deles foi super tranquilo. Disseram que não seria necessária a presença da Alessandra no setor de imigração porque a super intérprete também fala português. A mulher é ninja! Mas mesmo assim, a Alessandra pode entrar lá e desenrolou tudo.
O Davi aprontou só o previsto mesmo, como ficar correndo no corredor (o nome já diz tudo!) no voo até São Paulo e deu umas escapadas rápidas nos aeroportos. No voo até Toronto, foram dormindo, o que é uma benção divina, já que é muito cansativo e monótono.
Já que voltei a fita, agora vou saltar para o primeiro contato com o frio. Considero assim porque para entrar e sair no super Corolla vermelho zerinho (alugado, gente!), não tem graça. Colocamos o kit de inverno made in Ceará do Davi e da Lara e fomos para as montanhas de neve da entrada do nosso apartamento. Dá neve na altura da coxa, sem exageros. Com menos de um minuto, o Davi já soltou um "frio papai!". Fiquei meio preocupado. A Lara disse que estava tudo bem. Fiquei espantado porque ela fechava janelas e portas em Fortaleza dizendo que estava com frio! E estava fazendo uns -4 graus aqui. Eis que o Davi teve a curiosidade de afundar até o joelho na neve e começar a cavar. Paixão à primeira vista. A Lara começou a fazer bolinhas de neve e também adorou.
Derrepente, a situação ficou ao contrário do que eu esperava. A friorenta da Lara não estava nem aí para o frio e brincava de escalar o Everest. E o Davi estava com as mãos, as pernas e os pés encharcados de água, porque só o que era impermeável era o casaco. Quando eu dizia para entrarmos porque estava frio, ele dizia: Fio não, papai! Fio não! Ele só saiu à força e chorando.
De fato, mais recentemente, com zero graus, eles sairam para a varanda e passaram alguns minutos só de roupa de casa e pantufas tirando a neve. Saí para ver como estava e vi que estava bem frio mesmo para ficar só de roupas comuns. Pra dentro todo mundo! E as pantufas estavam encharcadas de neve. Ou seja, a preocupação ficou ao contrário. A Mônica também não achou ruim, até porque está fazendo um climazinho bom nesse fim de inverno, e este está sendo mais quente que o normal. No próximo inverno estaremos melhor preparados e com carro. Além do mais, o frio vai chegar gradualmente e não com o choque que tive de vir no meio do inverno.
No dia seguinte, fomos aos shoppings vizinhos (Place Sainte-Foy, Place de la Cité e Place Laurier) comprar as roupas e botas para todos ficarem devidamente equipados. Com o kit, eles podem se divertir no parquinho cheio de brinquedos interessantes que tem aqui pertinho de casa.
No final de semana seguinte, fui mostrar Vieux-Québec à família e à prima turista. Não preciso dizer que acharam super interessante.
De comida, o Davi e eu estamos comendo desesperadamente. Nunca comi tanto na minha vida. Parece que o corpo pede calorias por causa do frio. Tem muito do que estávamos acostumados no Brasil, mas tem também novidades muito gostosas. Só a Lara que está vendo problemas nas comidas, mas já era assim no Brasil. Nada de novo, nada fora do esperado.
Enfim, a adaptação mesmo fica só por conta da comunicação. Eu já estou me sentindo mais à vontade para resolver problemas via telefone e já me expresso melhor no trabalho, mesmo que seja em inglês muitas vezes. Também não está como eu quero, mas tenho que ter paciência. Agora é a vez da Mônica passar pelo ritual enquanto não chega o curso de francisação.

La famille est arrivé

sábado, 20 de fevereiro de 2010

É carnaval.


Carnaval

Caros leitores, desculpem a demora das postagens. É que pela terceira vez, estou tentando criar uma rotina e conseguir algum tempo para as futilidades como respirar, dormir, etc.
Mas vamos ao que interessa, que é o carnaval de Québec. Como já devem imaginar, não tem mulatas seminuas, tem chiclete e banana aqui, mas não misturados, e tem asa de corvo no inverno e não de águia.
Não vou criar polêmica sobre qual tipo de carnaval é melhor, porque depende do gosto de cada um, mas aqui ao menos, aqui não tem bêbados importunando e vomitando, assaltos e dezenas ou centenas de mortos. Aqui o carnaval é uma festa familiar e bem diferente. Para começo, o período é bem maior mas não é feriado.
Este é o site oficial http://www.carnaval.qc.ca/fr.
Se não me engano, o nome do lugar se chama Place Desjardins. Lá tem um castelo de gelo, as esculturas de gelo, descida de rafting na neve (em um bote), banho de piscina quente, banho de neve (isso mesmo! De roupas de praia!), Bebidas servidas em copos de gelo, corrida de trenó e outras coisas mais que perdi porque estava trabalhando e preparando o apartamento.
Interessante é a corrida de remo que, ao invés de desviar das placas de gelo do rio São Lourenço, eles empurram o barco por cima delas. Deve ser mais rápido do que remando.
Quando voltei para casa, já escutei o barulho da parada (ou desfile, se preferirem). Porém, ainda esperei 20 minutos até eles chegarem. Quando já estava perto de chegar, percebi que tinha uma placa que dizia que a parada iria passar lá aproximadamente 19h08! Vejam bem, não é 19h10. Não conferi a pontualidade, mas como tem um carro da coordenação na frente, deve ter sido próximo disso mesmo.
Assim, as pessoas podem chegar quase na hora. Não estava fazendo frio para tanto. Uns -4 graus, mas eu até que iria me valer disso. Isso porque eu estava com as meias ensopadas de suor. Quando as tirei em casa, percebi a diferença de cor da parte seca para a molhada. Assim, faz frio mesmo! Mas fiquem calmos. Tem meias de lã (melhores que as sintéticas), o saquinho de areia mágica que gera calor por umas 9 a 12 horas e tem talco! Só que nem lembrava desse problema. Fiquei com os dedos dos pés dormentes que estava andando torto, mas fiquei até o fim para fazer essa cobertura do carnaval para vocês. Globo e você! Nada a ver!
Um dos blocos tinha uns 7 percussionistas e percebi logo que era uma timbalada brasileira. Eles usavam uma bandeira parecida com a do Brasil, que reforça minha suspeita. Mas a percussão canadense, para o meu espanto, é rica também e bem variada.
No final, o mascote do carnaval vem no seu carro. É uma fantasia de boneco chamado bonhomme. Para quem fala o dialeto do Ceará, esse é o único boneco que tem no carnaval daqui.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Chorando pedras de gelo

Estive um tempo afastado porque me mudei para casa e não tinha Internet ainda. Agora estou de volta à grande rede mundial. Pois bem, imigração boa é aquela com emoção. Agora está sendo a vez da Mônica, da Lara e do Davi. A Mônica não fala inglês ou francês o suficiente para resolver o que precisa para chegarem até aqui. Mesmo assim, não dá para andar com duas malas (no sentido próprio), a Lara e o Davi (mala no sentido figurado). Se soltar o Davi, ele sai correndo. Para poderem chegarem até aqui sãos e salvos, contamos com a grande experiência internacional da super prima Alessandra. Ela tem no currículo meio ano de Austrália, alguns meses de EUA e dois passeios pela Europa. Ao menos um deles passando por vários paises. Tá preparada, não?
A ansiedade maior foi patrocinada pelos Correios. O Doidex estava tão desorganizado que nem estavam mais atualizando a página de rastreamento. O sogrão foi pessoalmente ao escritório dos Correios e disseram a ele que ainda não tinha chegado, hoje, no dia da viagem!!! AAAAHHH !!!
Eu estava perto de entrar na Hertz para alugar o carro quando o celular fez o pi piripipi. É o aviso do Fring, que é a alternativa para usar o serviço de mensagens instantânea do Skype para celulares que não estão na restrita lista da versão móvel do próprio Skype. Viva a tecnologia! A Mônica escreveu: O papai disse que o passaporte não chegou. Viagem abortada. Eu disse a ela que é porque, para o nosso bem, não devesse ser apropriado. Devia ser a vontade de Deus.
Eu já estava de certo modo preparado, então fiquei triste mas conformado. Mais uma semana sem a família. Quem esperou um mês (amanhã faz exatos 30 dias) consegue esperar mais alguns dias. Entrei no shopping Place Laurier para pesquisar os assentos de carro das crianças.
Um dado momento, pi piripipi outra vez. Quando pego o celular, tem escrito: A Alessandra recebeu o passaporte agora. Vamos aprontar tudo correndo e vamos viajar. Nessa hora, abri um sorriso de orelha a orelha. Fiquei tão boboca que demorou a perceber que deveria retomar o planejamento inicial de alugar o carro e comprar os assentos.
Quando sai do shopping, me dei conta de como amo a minha família. O durão aqui que quase nunca chora foi pego desprevinido e começou a chorar. Esse negócio de imigração mexe mesmo com as nossas emoções. Ainda bem que eram lágrimas de alegria. Enxuguei logo para não congelar. Quando Deus quer, não tem quem possa atrapalhar.
Pois bem, a esta hora, devem estar cruzando a linha do Equador e amanhã vou buscá-los no aeroporto. A partir de amanhã, a rotina aqui vai mudar completamente mais uma vez. Só que agora não vai ser mais só a minha.

P.S. Congelei os pés e as mãos, com fome e cansado, mas fiz uma cobertura cheia de fotos do carnaval de Québec, com a parada inclusive. Aguardem o próximo post.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Turn right followed by keep on left



Agrandir le plan

Nas placas dos carros do Québec, tem uma inscrição que diz "Je me souviens" (eu me lembro). Quem quiser saber um pouco da história que essa frase, tem este ponto de partida. No meu caso, a frase teve o significado de "eu ainda me lembro de como se dirige um carro!". Poxa! Desde que vendi meu carrinho lindo e amado, estava andando só de ônibus e a pé. Não que eu ache ruim. Pelo contrário, adoro andar. Mas também adoro dirigir.
Eu, como bom medroso (acreditem! Mesmo fazendo essa maluquice de imigração, sou muito medroso), não queria dirigir enquanto não lesse o manual de preparação para o exame de permis de conduire/carteira de motorista daqui. Ai vocês disem: Poxa! Tu é medroso mesmo! Dirigir é igual no mundo todo. Bem, aqui podemos dobrar à direita no sinal vermelho, a não ser que a placa diga que é proibido. Para complicar, na hora de dobrar, tenho que ler as instruções de dias e horários em francês! E o sinal piscando verde quer dizer que posso dobrar a esquerda sem medo, senão tenho que aguardar a vez, desde que não tenha outra placa sacana dizendo que é proibido de 07h00 a 09h00 e de 15h00 a 17h30, de lun (lundi/segunda-feira) a ven (vendredi/sexta-feira) exceto para ônibus e taxis. Isso é bom com o carro andando! Vejam um exemplo nesta foto:


From Balade de Voiture

Outra diferença. O pedestre aqui tem a preferência. Se formos pegos não dando a preferência para eles, tome multa! Quase que não conseguimos passar entre os shoppings. Sempre tem gente querendo atravessar.
Mas legal mesmo é essa confusão de viadutos do mapa do começo do post. Isso para quem nunca dirigiu aqui, nem nunca passou por ele, à noite, sem ver faixas no asfalto e com os apressados querendo passar por cima, é legal pra caramba para pegar confiança.
Mas...o dever chama. Não teria como levar tantas compras de ônibus até o novo apartamento. Basta a televisão ou o microondas para inviabilizar. Por isso, aluguei um carrão. O cara me perguntou se eu queria um Impalá ou um Corrrrolá. O Impala, que eu saiba, é uma banheirona estadunidense. Neca! Depois que escolhi o Corolla, o safado disse: Ele é melhor porque tem GPS. Depois de muita briga, eu querendo que o GPS mostrasse o mapa e o curioso querendo saber para onde eu queria ir, resolvi fazer a vontade dele.
Sai devagarinho para sentir como é dirigir com o asfalto escorregadio e a tiazinha do GPS dando as instruções em inglês. Iamos nos entendendo bem quando no labirindo que falei, ela tasca um "turn right followed by keep on left... BEEP!". Hein?!? Quando o teecko e o teacko entenderam o que ela queria dizer, já tinha dobrado no lugar errado. Fucking tabernake (interjeição obsceno-blasfêmica multi-linguística) ! Parei o carro e vi como é que voltava, porque a tiazinha, com raiva de mim, parou de me dar as direções. Quando voltei para a o caminho, ela continuou.
Depois que cheguei na loja de móveis, que era afastada e mais difícil de encontrar, mandei a tiazinha pastar porque de Sainte-Foy (onde tem a Canadian Tire e os três shoppings vizinhos) para casa eu já conhecia bem.
Outras coisas curiosas em relação a carro aqui. Não tem aquele lance de "tenho que ir porque deixei as compras no carro e a comida vai estragar". Se não me engano, a temperatura do congelador é de -18 graus. Aqui faz menos que isso! Se esquecermos uma garrafa de água dentro do carro, podemos encontrá-la congelada. Mas depois de algum tempo, o aquecedor faz até calor e tenho que deixar só ventilando. Outra coisa curiosa é que todo carro daqui já liga os farois quando damos a partida (é lei), e quase todos eles são hidramáticos (câmbio automático). No inverno, é obrigatório o uso de pneus de neve. E mesmo com ele, o ABS dá as tremidinhas no pedal do freio de vez em quando. Não tem frentista nos postos de gasolina. Vou conversar com a pompe/bomba de essence/gasolina amanhã. Também achei esquisito o portamalas não abrir. O carro é novíssimo. Simples! Estava congelado! Só um jeitinho que abre. Hoje pela manhã, os vidros estavam com desenhos de cristais de gelo, atrapalhando um pouco a visão. Dei uma raspada no canto e vi que estava bem grudado. Para isso que serve os desembaçadores. Ainda bem! O carro tem um escovão próprio para tirar neve.


From Balade de Voiture

E apesar de ser bem mais raro que no Brasil, tem artista no trânsito daqui também, mas bem menos audazes. Neste caso, era a vez dele antes da nossa.


From Balade de Voiture

Estou pesquisando para ver se encontro uma seguradora que não exija carteira de motorista canadense para poder comprar nosso carro. É chato poder dirigir (3 primeiros meses com a carteira brasileira) e poder comprar um carro, mas não poder licenciá-lo por falta do seguro. Como também deixar a vaga do estacionamento vazia. E o Celta 2005 que vamos vender vira um Civic ou Corolla do mesmo ano, igual a abóbora que vira a carroagem da Cinderela. Se pensarmos mais além, os 10.000$ na verdade têm o peso de R$10.000,00 considerando que nosso salário também é pago em dólares.
Bem, segue mais uma fotonovela.



Balade de Voiture

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Torre de Babel

Aquela passagem bíblica da Torre de Babel bem que poderia ter se passado aqui no Canadá. Não vou nem falar do aeroporto de Toronto porque é covardia. Mas mesmo aqui em Québec, que não tem tanto imigrante quanto os grandes centros, ainda ouço muitos idiomas estrangeiros. Mesmo sendo uma cidade fortemente francófona, ao contrário de Montréal, ouço facilmente quando passeio pela cidade gente falando os seguintes idiomas que não o francês, mais ou menos na ordem de frequência: Inglês, português (tem muito brasileiro aqui), chinês, árabe, espanhol, idiomas africanos e outros. Já ouvi de tudo, inclusive idiomas que não dá nem para reconhecer.
Particularmente falando do meu ambiente de trabalho, que não é necessariamente assim em toda a empresa, muito menos nas outras empresas e menos ainda na rua, é uma salada só. E eu adoro isso! A empresa contrata todo mundo com a exigência de falar inglês porque é uma multinacional com sede nos EUA, e temos que saber francês para não passar fome (não basta dizer numero quatre no Mequidonálde para não morrer de fome por causa dos outros nutrientes que precisamos). As teleconferências com os EUA são feitas em inglês, e o software é internacionalizado em acho que 17 idiomas, dando uma boa noção de globalização. Isso sem falar que a empresa é aberta 24 horas por causa dos fuso-horários dos escritórios daqui até a Austrália. Por causa disso, na nossa equipe ao menos, é totalmente indiferente, natural, corriqueiro, transparente, espontâneo, necessário e inevitável misturar inglês, francês e franglish. Às vezes, duas pessoas que nasceram e moram aqui conversam entre si em inglês, sem razão aparente. Ou por causa de uma só palavra que é mais conhecida em inglês, comuta-se para inglês durante o parágrafo todinho e volta-se para o francês. Ou a comutação pode ser feita apenas em palavras. Pode-se ter um diálogo onde um fala em um idioma e outro no outro idioma, etc. e se perguntado, ninguém nem sabe dizer em qual idioma falou.
Pior ainda é o franglish. É quando usam uma palavra do inglês transformada em francês. Isso acontesse muito por causa do jargão de informática. É tão exagerado que até verbos corriqueiros como fermer/fechar acabam virando closer, de to close. Tive que inovar na notação de cores para idiomas por causa disso. E assim nasce o checkouter/to check out, commiter/to commit, fixer/to fix, binder/to bind, etc. Para misturar ainda mais, somos seis brasileiros, dois portugueses e uma canadense. totalizando nove lusófonos! Um deles trabalha ao meu lado. Inevitavelmente, falo os três idiomas na mesma proporção todos os dias úteis.
Os francófonos tem a tendência de não pronunciar o H aspirado. Assim, help soa como êlp, e hire como aire. O indiano tem um L bem enrolado e o português dos portuguêses é bem diferente do nosso.
A empresa, consciente do valor dos imigrantes qualificados e da necessidade de uma boa comunicação, dá um curso de francês de duas horas por semana com um excelente professor da Universidade Laval em horário de expediente.
Em serviços ao público em geral como os governamentais (ao menos os federais), call center, lojas nacionais ou multinacionais e serviços turísticos, é comum termos opção de atendimento em ambos idiomas. Para mim é uma maravilha porque posso praticar o francês e quando travar ou ao menos ficar difícil, comuto para o inglês. Só que já aconteceu de dois vendedores agoniados não quererem perder tempo e passam logo para o inglês porque vêm que funciona melhor. Como também acontece da conversa travar em ambos idiomas quando vai para um domínio específico. Por exemplo: Como é que se chama colcha de cama, fronha, edredon e lençol? Não sei em nenhum dois dois idiomas e vou ter que comprá-los. O desconfortável mas ao mesmo tempo importante é que não tem como eu não aprender porque tenho que resolver vários problemas para começar toda uma vida de uma família usando esses idiomas. É na porrada, mas funciona!
Infelizmente, mesmo eu que sou desinibido, extrovertido e até cara de pau, passo pelo seguinte processo: No começo, temos o referencial do estudo de francês bem articulado e devagar. Daí, começamos a nos virar e contamos vitórias. Depois de algumas conversas travadas por falta de vocabulário ou simplesmente quando não conseguimos entender nada porque na rua falam rápido e displicentemente, começamos a contar algumas "derrotas". Naturalmente, começamos a evitar a exposição e entrarmos em um ciclo de retração. O nível de dificuldade do francês do dia a dia é bem mais alto, aumentando o nosso referencial, então temos a nítida sensação de estarmos desaprendendo. Depois de algum tempo, naturalmente passamos a nos comunicar melhor e começamos a ganhar confiança outra vez. Só tenho pena dos tímidos, porque tendem a ter uma retração mais forte, mas tem que enfrentar. Não tem como!
Bem pessoal, estou com a mania de escrever muito, então, até logo, à bientôt, see you soon, hasta luego.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Cada vez menos mancadas


Para a infelicidade de vocês, mas felicidade minha, eu estou ficando mais safo e dando menos mancadas. Uma boa parte se deve a uma das primeiras mancadas que eu esqueci de contar. Achei um prato pronto indiano bonito e preparei-o no micro-amigo. Quando botei a comida na boca, cospi fogo igual a dragão. Eu sabia que a comida baiana e a mexicana eram apimentadas, mas não sabia que a indiana era também. Aí me disseram que na caixa, com certeza tinha um aviso. Realmente não li porque sei como é pimenta e apimentado nos dois idiomas (inglês e francês) que tem em todas as embalagens.
Daí eu aprendi: Leia, seu tapado! Isso evitou a mancada do dockside que peguei morto de animado porque era muito barato, mas eram pantufas (vide foto), dentre outras mais que evitei. Mas também causou outra. Ontem eu estava comprando algumas coisas tarde da noite no supermercado, estava com medo dele fechar e eu ter que jantar só maçãs. quando cheguei no primeiro caixa, tinha um aviso de que estava fechado. Quando cheguei no outro, a atendente se virou para mim e apontou para um aviso. Comecei a ler o aviso, que não era pequeno. E as duas começaram a rir. Lá vai eu tentar entender o que estava se passando. Então ela me disse que não estava ainda falando comigo. Estava apontando para algo longe conversando com a amiga e por coincidência, foi na hora que eu cheguei e a mão parou justamente no aviso. Aí também teve o azar, né?
Os sentidos são muito importantes aqui. Saí da imobiliária e peguei o ônibus para o trabalho. As janelas estavam brancas de neve e não dava para ver quase nada. Então, fiquei absorto em minhas divagações efêmeras (válvula de escape de quem passa o dia falando só o arroz com feijão em outros idiomas). Derrepente, eis que eu leio: Université Laval. 'stie!!! (palavrão daqui) Eu estou no outro lado da cidade! Quando dobrei a avenida procurando a imobiliária, vi pela numeração que ficava do outro lado dela, mas não atualizei meu cérebro na saída.
E começo a criar hábitos daqui naturalmente. Por exemplo, o de bater as botas (no sentido próprio) para derrubar a neve antes de entrar em algum lugar. Como tinha muita neve, antes de entrar no shopping, plantei um baita chutão na coluna de concreto. POU!!! A danada da coluna era revestida de madeira oca, na cor da outra que era de concreto de verdade, e fez um barulhão. Entrei com cara de curioso querendo saber também quem foi o idiota que fez esse barulhão, porque tinha algumas pessoas do lado de dentro da porta.
Tem mancadas que puxam outras. Fui avisado e vi alguém cair na brincadeira tradicional logo no primeiro dia de trabalho. Se esquecermos o computador destravado, alguém manda email para todo mundo prometendo uma caixa de donuts. Pois bem, na semana passada, baixei a guarda e esqueci. Quando cheguei, todo mundo sorrindo para mim e comentando entre si, e eu nem sonhava. Quando vi o email, caiu a ficha.
No outro dia, para respeitar a tradição, lá estava eu com uma caixa com 12 donuts de massa beeeem macia e gostosa, feito com o primor das matérias primas, e uma cobertura do delicioso sucre du sirop d`erable/açucar do xarope de bordo (árvore muito comum aqui cuja folha aparece na bandeira do Canadá). Hummm...!!! É muito gostoso (como muitas comidas daqui) e comprei todos desse sabor. Só que, para quem mora aqui, é tão novidade quanto rapadura no Ceará. Quando abriram a caixa, reclamação geral! Poxa! Você comprou todas de erable! É, mas mesmo assim comeram tudo e nem pude trazer alguma para casa.
Enfim, a rapadura é doce mais não é mole não.